quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Perdemos R$ 210.000,00 para a cultura do Potengi, mas quem se importa?

(Dica de leitura: Interessados no centro da questão, ir direto ao parágrafo 4. Quer contextualizar-se? Comece do início, passe pelo meio e chegue ao final. Boa leitura!)

O ministério de Desenvolvimento Agrário, MDA, está composto por três secretarias: Secretaria de Agricultura Familiar, Secretaria de Reordenamento Agrário e Secretaria de Desenvolvimento Territorial. Esta última tem ações nas áreas de Dinamização Econômica e Cooperativismo bem como em Desenvolvimento Territorial. Neste caso, nos explica o Governo Federal através de dados oficiais divulgados na página da SDT, que as ações de desenvolvimento se distribuem através de cinco áreas de atuação: “educação e cultura, formação de agentes, diversidade e cidadania, gênero, e populações tradicionais e povos indígenas.”

A partir desse contexto surge em 2003 o programa Territórios Rurais com o objetivo de apoiar “a organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa”. Em 2008 surge vinculado a esse, o programa Territórios da Cidadania. Sobre isso o Portal da Cidadania diz:

O Territórios da Cidadania tem como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a construção dessa estratégia.

Os Territórios Rurais são a base dos Territórios da Cidadania. Possuem uma organização, o Colegiado, que está vinculado diretamente a dois dos objetivos específicos do Programa: 'planejamento e integração das políticas públicas' e 'ampliação da participação social'. Esse é o ponto para o qual quero chamar atenção. Há maneiras de a população aproximar-se das decisões públicas sobre o uso de verbas e sobre as ações de desenvolvimento local e territorial e uma dessas saídas é a participação nos programas de decentralização dos investimentos públicos em diversas áreas como permite a ação dos territórios da cidadania.

As ações aí empreendidas não são decididas pelos prefeitos, governadores, presidentes, ricos a cargo de ordens políticas ou qualquer influência daninha. Esse espaço permite a participação da população em geral, desde gestores públicos, instituições privadas, pessoas, lideranças sociais, e, porque não, curiosos que tenham vontade de saber do que se trata e para onde estão levando o que é de todos e de cada um. Quando tive essa curiosidade me aproximei e perguntei, “como faço pra participar?”. Na semana seguinte estava em uma reunião do colegiado do territótio do Potengi, cercada por gente experiente, mais velha, um povo de sapato, camisas oficiais e tempo de estrada. Fiquei algun tempo calada, entendendo o que meus chinelos havaiana podiam representar ali dentro e logo encontrei alguns pares. Mulheres, agentes culturais, poucos como sempre, mas havia. Mais uma vez tive claro que a melhor saída é participar e tratei de fazê-lo.

Isso aconteceu em março de 2010, no início das atividades anuais e com a notícia que havia uma verba disponível para desenvolver ações culturais no território do Potengi. No susto, porque havia como duas semanas para ter um projeto elaborado e submetido, começaram as discussões no seio do colegiado para decidir que tipo de projeto seria conveniente implantar. Hugo de tal me mandou uma lista de possibilidades de trabalho por e-mail, todas relacionadas com a cultura popular da região. Rosinaldo Luna apresentou uma boa proposta que consistia em um teatro itinerante, que pudesse construir ações em vários municípios. Eu propus a criação de um espaço fixo para atender as diversas necessidades estruturais dos grupos de cultura da região, mas que pareceu ao grupo demasiado amplo. Essa proposta foi rediscutida e entramos em comum acordo de desenvolvê-la melhor. Depois ainda dividimos em um projeto de investimento e outro de custeio. Assim começava o anexo enviado a Johan Adonis, articulador do Colegiado do Potengi, no dia 29 de março de 2010, referindo-se ao projeto de investimento:

Projeto de Criação e Estruturação do CAPA Potengi

(Centro de Apoio e Produção Artístico-cultural do Território do Potengi)

Elaboração: Stéphanie Campos

Estrutura do Projeto

Identificação do projeto: Estruturação de um Centro de Apoio e Produção Artístico-cultural para atender o território do Potengi no intuito da valorização e desenvolvimento dos setores de cultura da região nas áreas de Artes do Espetáculo; Literatura Livre; Manifestações Populares; Memórias, saberes e fazeres e; Lugares e festejos.” Havia discriminado no projeto beneficiários, metodologia de execução e ainda um cronograma de desenbolso teve que ser pensado, como manda o fugurino técnico. Para isso escrevi uma justificativa, desenvolvi um orçamento (metas e estimativas de custo) que totalizavam R$ 169.035,00. Por decisão do colegiado a instituição proponente deste projeto foi a prefeitura municipal de São Paulo do Potengi. Também aconteceu assim para o projeto de custeio.

Identificação do Projeto de custeio: “Diagnóstico das potencialidades artístico-culturais do território do Potengi com vistas a criação de um plano territorial de desenvolvimento da cultura nas áreas de Artes do Espetáculo; Literatura Livre; Manifestações Populares; Memórias, saberes e fazeres e; Lugares e festejos através do Centro de Apoio e Produção Artístico-cultural.” O orçamento que desenvolvi para esse totalizava o valor de R$ 40.000,00.

Alguns detalhes dos projetos foram modificados para adecuar-se às necessidades oficiais do momento e se encuadrar nos modelos de algum sistema 'online' que seria manejado por algum profissional a serviço da prefeitura (isso tudo pra mim continua sendo um universo desconhecido).

Ufa! Havíamos submetido o projeto a tempo! O acompanhamento do andamento dos projetos só podem ser feito pela instituição proponente, nesse caso a Prefeitura Municipal de São Paulo do Potengi, que é quem tem acesso ao sistema, senha, etc. Depois desse momento tive um ano de articulação cultural em 2010 com a participação nas Conferências municipal, estadual e nacional de cultura bem como com vários eventos e grupos culturais do RN. Em 2011 viajei à cidade de Buenos Aires para fazer um curso de Gestão Cultural que está em fase de conclusão. Voltei pra casa em janeiro de 2012 e quis saber como andava a implementação do projeto, inocência falida que trazia comigo. Fui até a sala de articulação do território do Potengi conversar com Johan e saber 'que onda'. Pasmen! O projeto não havia avançado e estávamos ainda sem saber se poderia ser levado adiante porque o proponente, Prefeitura Municipal de São Paulo do Potengi, não havia enviado os dados necessários para isso.

De acordo com e-mail enviado por Ana Netto, funcionária do MDA, em 13 de janeiro de 2012, a Dario Andrade, Delegado Federal do MDA, “A proposta 043319/2010 foi analisada pelos técnicos da SDT em 20/05/2010 e solicitado complementação na mesma data, até a presente data não foi atendida, entretanto mesmo que a prefeitura faça a complementação HOJE não é possível aprovar uma proposta em janeiro de 2012 cuja refere-se ao exercício fiscal de 2010.

Me lembro da última reunião do colegiado do território do Potengi agora em janeiro, na sexta-feira, véspera do I Furdunço Cultural do Potengi (projeto que também escrevi mas que se concretizou com patrocínio do Banco do Nordeste e apoio de gente sensível ao tema da cultura) realizada no auditório da secretaria de educação. Aí eu tinha um sentimento bastante infeliz e contrariado que não sei até agora se pôde ser sentido por tantos que estavam ali preocupado com a não menos importante 'cadeia do leite' e 'compra de tratores'. Disse que se de fato perdêssemos esse projeto que deu tanto trabalho em tão pouco tempo, tendo sido o primeiro projeto para cultura aprovado num território da cidadania no Rio Grande do Norte, seria uma falta de respeito para quem trabalha com cultura ali. As caras, com poucas exeções, não pareciam muito comovidas com o acontecido.

Não escutei nenhuma manifestação explicativa oficial por parte do proponente (que não é uma pessoa, é instituição pública a serviço do povo, que não passa, porque a prefeitura, seja com quem for, sempre está aí. Não pessoalizemos a questão.), mas certamente seriam duas palavras para isso e duzentas falando de todas as outras benfeitorias na retórica política clássica de tampar ouvidos e condicionar os discursos. São apenas R$ 210.000,00 que deixaram de chegar, mas quem disse que pra cultura isso faz falta? Faz nada... Dá 200 conto pro figurino novo do grupo tal duas vezes ao ano e resolve isso...

Quem avisa amigo é... População informada e participativa tem o direito e todas as condições de cobrar e controlar o que lhe pertence. Mas o coletivo é tudo. Talvez algum dia o Potengi também se anime a organizar-se em movimento civil de fato, e como isso faz falta. Desapontada, me despeço. Se você leu até aqui, lhe dou os parabéns. Ler duas páginas é muito pouco perto do que se precisa fazer ainda.

Grande abraço, e sigamos em frente.

Um comentário:

  1. galera do procurart, lito todo o texto acima! Me junto na mesma instatisfação e revolta. Essa história do projeto do CAPA é mais uma das várias histórias que escutamos na execução do PROINF, essa conhecida linha de financiamento famosa pela sua burocracia. A estratégia de gestão social a partir dos Colegiados organizados e animados é bem maior do que o PROINF, o que ocorre é que na maioria dos colegiados ficou no imaginário das entidades que é assim, e se o proinf não funciona logo o colegiado, composto de identidades e histórias de caminhos e descaminhos...não funciona tb! Até hj não tiveram peito e nem raça para superar essa dificuldade do PROINF, ninguem, e sabe pq? Pq não somos quem grita mais alto no congresso....não temos capital transnacional para investir em infra estrutura no lugar do Governo, não somos lobistas de multinacionais de alimentos/venenos que dão carros de luxos a parlamentares, enfim...quem somos? ex-militantes neste ano cabo eleitorais? militantes mesmo? representantes de alguma associação? representantes de (eu) mesmo?
    A história não mudará se não nos identificar corretamente, a partir de nossa memória histórica. Então, o Potengi perdeu com o CAPA mais uma oportunidade de desvendar sua identidade e portanto sua resistencia.

    valdivan (valdivanf@gmail.com)

    ResponderExcluir